domingo, 27 de abril de 2008

Efemeridade (na íntegra)

Em uma de minhas idas costumeiras e constantes – para aproveitar o gelado do ar – ao supermercado dia destes, pouco depois do carnaval, observei, sem muito interesse, um movimento fora do comum por parte dos funcionários: uma andança em todas as direções; peças sendo carregadas; pessoas atrás de montar, com toda a urgência, algo grandioso. Constatei a efemeridade. Tratavam-se das prateleiras e suportes para os ovos de páscoa. Retirei meus óculos e limpei as lentes. Acreditei enxergar mal naquele momento: faltava ainda mais de um mês para o final da quaresma! Em poucos dias, todo aquele esforço seria recompensado com a lotação de consumidores. Mas, depois da data para a qual se preparavam, nada! Prevaleceria novamente o vazio e a livre circulação naquele grande espaço. Percebi, então: a vida corria com propósitos pequenos, diários e consumistas. Tempos modernos e globalizados. Dentre estes acontecimentos, muitas vezes sem sentido, como a venda de ovos de páscoa apenas por interesse mercadológico e publicitário, sem o simbolismo e o seu real sentido, surge a questão: o quê, hoje, é relevante para ser escrito? O quê merece ser lido? O quê pode, atualmente, com toda essa correria desenfreada, despertar interesse e prender os olhos de um leitor, deixando marcas e gerando pensamentos críticos ou sutis? O fato é: aonde queremos chegar? Eis uma iniciação à resposta procurada: "O que era efêmero se desfez / E ficaste só tu, que és eterno" (Cecília Meireles). Como eternizar algo aparentemente fugaz? Essas coisas banais da vida, do dia-a-dia, podem tornar-se registros para a posteridade quando alguém se dispõe a oferecer a elas a tinta e a folha em branco. E escrever é, então, algo bom, tendo em vista sua capacidade de eternizar não só frases e palavras, mas o sentimento presente nas linhas traçadas. A efemeridade esvai-se diante das letras registradas no papel – desde que não sejam os registros guardados em alguma Biblioteca de Alexandria. Faz-se (ou cria-se), assim, a história: de um povo, de um país, de uma raça. De Burarama. Entra aí um perfeito exemplo de colheita da simplicidade e banalidade diárias, através de um olhar clínico de conteúdo bairrista: Rubem Braga. Ele aqui, hoje, encheria de cor o sorriso da moça da padaria ou do homem que varre as ruas, realçaria a vitalidade do rapaz que tira o leite da vaca às cinco da manhã ou do menino que passa ao longe na estrada, de bicicleta. Povoaria de boas energias a descrição das mulheres que cuidam da pracinha. Contemplaria com gosto a movimentação num certo supermercado de Cachoeiro de Itapemirim e encontraria razão de ser para tamanha pressa. Viveria bem, em Burarama, Rubem Braga. Teria muito que escrever, nesse distrito cheio de coisas efêmeras esperando seu lugar na ponta da caneta. Construir e registrar a vida de nosso lugar é papel de cada um – ainda que não sejamos Rubem. Uma pequena mudança na forma de enxergar o mundo, as pessoas e os acontecimentos, carregando um pouco de poesia para essa visão, transforma algo simples em um texto que ficará no tempo – ainda que seja apenas um texto sobre a arrumação de prateleiras para ovos de páscoa.