terça-feira, 28 de abril de 2009

A Dona Inah


Todos os dias ela almoça no mesmo restaurante e senta-se no mesmo lugar, lendo seu costumeiro jornal de notícias. Ela tem cabelos muito brancos e fará 97 anos daqui uns dias. É leonina. Anda sempre bem arrumada, combinando saia e sapatos, e leva consigo uma bolsinha colorida à tiracolo. Ah, um dia contou-nos, a mim e à minha amiga, sua história: tinha dois filhos. No dia do casamento de seu filho mais novo, o mais velho, que morava pro Centro Oeste do país, estava a caminho quando acidentalmente viajou para o céu. Ah, o contraste que a vida de vez em quando coloca na vida das pessoas. A extrema oposição de céu x inferno. Um filho casando-se e outro indo embora. Disse a dona Inah: "Se existe inferno, ele é aqui. Não há como ser em outro lugar. Não há como existir coisa pior..." E enquanto dizia estas palavras, lia concentradamente seu jornal e dizia também: "Não sai nada de bom nessas folhas, só coisa ruim, assalto, morte, desastre, tiros... " Não disse em tom de reclamação, e sim com certa tristeza pelo rumo que o mundo tomou. Ao que estava também coberta de razão. Ela olhou-nos, em dado momento, e disse, diante de nossa ainda presente juventude: "Um conselho de quem já viveu bastante: não fiquem velhas!" E sorria o seu riso de quem muito viveu, muito amou e sofreu, ainda cheia de doçura para dar e visão clara diante dos fatos da vida. Disse ainda a respeito da falta de respeito que há hoje em dia: "Meu pai, quando eu era convidada para pular o carnaval na praia, não me liberava dizendo ser pecado. E o que não diria ele hoje, diante dos acontecimentos a cada dia mais escandalosos?" Despedimo-nos e seguimos sob seus votos de felicidade. Ela era doce. Ela, que não escutava o que a gente dizia, e ainda assim travou longo diálogo e foi muito esperta em suas colocações. E dizia assim, enquanto nos afastávamos: "Ah, eu não escuto, não consigo escutar, logo eu que gosto tanto de conversar..."