Eu sei que começou assim: meu pai - o Luiz, era novinho e foi estudar em Rive. Escola agrotécnica. Rive, naquela época, não tinha rádio. Eu acho que não tinha. Porque a vó Magdalena me disse que toda vez que o Luiz voltava pra casa, nos finais de semana, a primeira coisa que fazia era perguntar: - mãe, de quanto ficou o jogo do Flamengo? A vó Magdalena, que não gostava de usar só um sentido pra saber das coisas, precisou aprender a só "ouvir" uma narração de futebol pra agradar ao filho mais velho. Vivia ouvindo jogo de Flamengo pra saber na ponta da língua os fatos e contar pro Luiz logo que ele apontava lá na porteira. Daí pra frente, até hoje, quando chego na casa dela, a primeira coisa que eu escuto é o barulhinho de rádio. Vou perguntar a ela se ainda é o mesmo da época do Flamengo. Sei que até hoje o Luiz é Flamengo, e desde aquela época a vó Magdalena também é. E a maior parte da família seguiu o exemplo. E quando o Flamengo joga, lá em casa é a maior gritaria, ainda mais quando o Felipe vem.
Eu sei que continuou assim: meu irmão - o Felipe, era mais velho quando foi estudar em Viçosa do que o Luiz quando foi pra Rive. Viçosa nessa época já tem rádio e televisão. Quando ele vem a cada mês ele não pergunta pra Mariangela - a minha mãe, o placar dos jogos. Mas ele ainda tem mania, aprendida com o meu pai e a vó Magdalena, de ficar horas a fio ouvindo o jogo do Flamengo naquele rádio vermelho do Paraguay, caindo aos pedaços, que ele ganhou quando criança. E as mulheres da casa não acham muita graça, nem eu, nem minha irmã - a Marina, nem minha mãe. Mas o Felipe e o Luiz acham. O Luiz por causa do saudosismo e o Felipe por herança. Eles só escutam. E gostam. E agora, sabendo que ouvir o jogo é uma tradição familiar, vai ficar mais fácil pras mulheres da casa respeitarem o gosto dos dois.
* Texto para os dois homens lá de casa, meus dois amores. E também para a vó Magdalena, tão querida, pela paciência com o rádio. E para o Flamengo, que eu aprendi a gostar por causa dessa história antiga.