domingo, 14 de dezembro de 2008

Pedacinhos...

E sobre o coração partido dele, acho que eu vou dizer: eu tenho um band-aid, isso te ajuda?

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Achismo


"Acho que no fundo o coração é bobo. Se perde no primeiro olhar, faz perder o fio do equilíbrio, perde a hora e a razão e acaba por se perder na primeira esquina, embriagado pela insensatez do amor..."

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Café Forte

De tanto beber café

Um dia inda viro preta
Dessas de lata d'água na cabeça
E dois filho no cangote
Dessas nega de tôca de lenço
Trouxa de roupa embá'do braço
Levando a filharada pro banho de rio
Cantarolando
Batendo roupa nas pedra
Acompanhando o recital:
"Arlequim arlequim dorado
Que nasceu no campo sem sê semeado"
Viro mulata de zói doído, cansado, aflito
Carregado de simplicidade
Nega de cabelo alvoroçado, grande, cheio
Até o quadril
Cabelo embolado e macio até onde dá
Eu, de tanto beber café
Ganho sangue moreno, ardido
A liberdade de andar no sol
A pele queimada, o suor
Um dia, de beber café
Viro preta véia de cachimbo nos beiço
Viro a vó Joaquina de história pra contar
E um dia, andando na estrada
Se alguém me chamar "ô preta"
Com brilho no zói eu me viro
Levando um sorriso na boca
Exagerada de rancar pedaço
Orgulho pingando de dentro de mim
E digo pro mundo, meu nêgo
Que preta eu sou, preta de café
Nunca mais bebo leite pra não clarear
Só bebo você todo dia
Pra noite ganhar mais pretura
Que ocê, meu preto, é meu café mais forte
E por você eu fico preta até sumir na escuridão

domingo, 17 de agosto de 2008

Hai Kai III


Não sou passarinho
Não preciso viver
De migalhas
De amor

sábado, 16 de agosto de 2008

Se Renata

Se ela tivesse um nome

Deveria
Ser Renata
Serenata
Serena Renata
Se Renata fosse doce
Seria bombom Serenata
Deveria
Ser Renata do amor
Ou doce de leite
De nata
Renata caramelo
Chocolate da Garoto
Serenata
Se Renata fosse música
Seria Serenata
De violões e músicos
Embaixo da janela
Soneto ou sonata
Ser Renata é música doce e nome de amor

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Hai Kai II

Pareço um boneco de neve
Nesse mundo quente
Prestes a derreter
Em lágrimas

Hai Kai

Caetano, Caetano
A vida é leve
Boneco de pano

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Menorzinha

"Elas eram como bonecas russas. Passamos a vida inteira nesse jogo, querendo saber quem será a última, a menorzinha que estava escondida dentro das outras desde o início. Não podemos ir direto até ela, temos que seguir as regras, abrir uma após a outra e nos perguntar: 'Esta é a última?'" (Do filme "Bonecas Russas")

Um dia, ainda vão me descobrir. Porque eu sou a última de alguém. Tenho de ser. Todas são. Ou talvez eu fique presa dentro da penúltima e não abram mais quando chegarem ali. E então... E então? Ah, têm de abrir! Alguém tem de abrir. Porque eu sou a menorzinha. De alguém. De um só. Mas de um alguém.

domingo, 27 de abril de 2008

Efemeridade (na íntegra)

Em uma de minhas idas costumeiras e constantes – para aproveitar o gelado do ar – ao supermercado dia destes, pouco depois do carnaval, observei, sem muito interesse, um movimento fora do comum por parte dos funcionários: uma andança em todas as direções; peças sendo carregadas; pessoas atrás de montar, com toda a urgência, algo grandioso. Constatei a efemeridade. Tratavam-se das prateleiras e suportes para os ovos de páscoa. Retirei meus óculos e limpei as lentes. Acreditei enxergar mal naquele momento: faltava ainda mais de um mês para o final da quaresma! Em poucos dias, todo aquele esforço seria recompensado com a lotação de consumidores. Mas, depois da data para a qual se preparavam, nada! Prevaleceria novamente o vazio e a livre circulação naquele grande espaço. Percebi, então: a vida corria com propósitos pequenos, diários e consumistas. Tempos modernos e globalizados. Dentre estes acontecimentos, muitas vezes sem sentido, como a venda de ovos de páscoa apenas por interesse mercadológico e publicitário, sem o simbolismo e o seu real sentido, surge a questão: o quê, hoje, é relevante para ser escrito? O quê merece ser lido? O quê pode, atualmente, com toda essa correria desenfreada, despertar interesse e prender os olhos de um leitor, deixando marcas e gerando pensamentos críticos ou sutis? O fato é: aonde queremos chegar? Eis uma iniciação à resposta procurada: "O que era efêmero se desfez / E ficaste só tu, que és eterno" (Cecília Meireles). Como eternizar algo aparentemente fugaz? Essas coisas banais da vida, do dia-a-dia, podem tornar-se registros para a posteridade quando alguém se dispõe a oferecer a elas a tinta e a folha em branco. E escrever é, então, algo bom, tendo em vista sua capacidade de eternizar não só frases e palavras, mas o sentimento presente nas linhas traçadas. A efemeridade esvai-se diante das letras registradas no papel – desde que não sejam os registros guardados em alguma Biblioteca de Alexandria. Faz-se (ou cria-se), assim, a história: de um povo, de um país, de uma raça. De Burarama. Entra aí um perfeito exemplo de colheita da simplicidade e banalidade diárias, através de um olhar clínico de conteúdo bairrista: Rubem Braga. Ele aqui, hoje, encheria de cor o sorriso da moça da padaria ou do homem que varre as ruas, realçaria a vitalidade do rapaz que tira o leite da vaca às cinco da manhã ou do menino que passa ao longe na estrada, de bicicleta. Povoaria de boas energias a descrição das mulheres que cuidam da pracinha. Contemplaria com gosto a movimentação num certo supermercado de Cachoeiro de Itapemirim e encontraria razão de ser para tamanha pressa. Viveria bem, em Burarama, Rubem Braga. Teria muito que escrever, nesse distrito cheio de coisas efêmeras esperando seu lugar na ponta da caneta. Construir e registrar a vida de nosso lugar é papel de cada um – ainda que não sejamos Rubem. Uma pequena mudança na forma de enxergar o mundo, as pessoas e os acontecimentos, carregando um pouco de poesia para essa visão, transforma algo simples em um texto que ficará no tempo – ainda que seja apenas um texto sobre a arrumação de prateleiras para ovos de páscoa.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Asas

Uns dez anos se passaram, então encontrei nos meus velhos papéis este texto. E ele me fez lembrar de um passarin, o Asa Curta! Personagem da história que minha mãe sempre me contava quando pequena. Assim escrevi, um dia: 

Sempre haverá pirilampos. E sempre haverá anjos azuis. E nuvens, casas de formiga, beijos demorados, caracol, cheiro de terra molhada, pegadas na areia, música linda e banho de chuva. E castelos, menino engraçado, algodão doce, tatuagem, bola de chiclete, sono bom, passeio de moto. Sempre haverá beira de lagoa, tarde com amigos, rock and roll, olhar de desejo, pão quentinho, manhã de sol, praia, mar e água de coco. E baralho, sorrisos, violão, luau, domingo à noite, professor, festa de aniversário e jogo do bicho. E também paquera, ventania, beco, bombom e pirulito, namorado, medo, auto-estima, rede de descansar, livro, arrepio, toque, frio na barriga. E terá pincel e tintas, estrelas brilhosas, gato de botas, futebol, biquíni, pedra e céu. Flamengo, pé-de-pato, ilha, poesia e flor, romantismo, meia velha, sopa de letras, cobertor. Bolsa, Biologia, pingüim, cor-de-rosa e branco, e sonho, lareira, paixão. De que vale tudo isso se eu não aprendi a voar? 

E sem querer vi que minha inspiração tinha surgido do outro texto, que achei naquele livro velho da minha infância: "Asa Curta era um passarinho já muito velho, mas que ainda não sabia voar. Ele tinha aprendido, em seus oito anos de vida, muita coisa que passarinho nenhum desse mundo nunca haveria de saber: pois quem é que já viu passarinho nadar? - e esse nadava; quem é que já viu passarinho ler um livro? - e esse lia; quem é que já viu passarinho dançar, mas dançar mesmo, tudo que é dança que gente sabe dançar: samba que nem samba dançado por brasileiro, tango que nem tango dançado por argentino e polca como os russos, valsa como os austríacos, baião e xaxado que nem os nordestinos, e rock e tuíste e iê-iê-iê e essas danças todas que os americanos já inventaram? E até algumas que ninguém nunca dançou, porque ele mesmo é que tinha inventado e até batizado: o saracoteio, o vira-e-mexe, o passo-do-passarinho, a dança-do-bico-pro-ar?... E havia ainda muita coisa mais que o Asa Curta fazia, diferente de tudo quanto os outros passarinhos sabiam fazer. Ele era mesmo um artista, desses de ganhar prêmio em programa de televisão: dava cambalhota como gente de circo, levantava galho de árvore com uma pata só, imitava voz de homem e voz de mulher, assoviava comendo alpiste... Mas de que adiantava fazer tudo isso - e muito mais que ele sabia fazer e só não fazia porque senão os outros iam pensar que ele era um passarinho louco - de que adiantava fazer tudo isso, se ele não sabia fazer o que o mais novo e o mais analfabeto dos passarinhos de qualquer floresta ou de qualquer cidade era capaz de fazer? De que adiantava ser o passarinho mais famoso que já houve na terra dos passarinhos, se ele não sabia voar?" (Trecho extraído do livro "Bolhas de Sabão")